domingo, 28 de março de 2010

O BERÇO E A LUZ

Izabel Eri Camargo

Enxergo com saudades a imagem do meu berço, ele era o melhor e o mais bonito do mundo, como de ouro. Foi feito com arte, em madeira de lei, todo trabalhado no torno. Decorado com roupas coloridas, macias e perfumadas. Eu tinha apenas dois anos de idade, embalava-me e dormia sozinha. O sono era interrompido por uma imagem vestida de branco, olhando-me fixo. Era uma mulher linda, rosto delicado, olhar carinhoso, parecia uma santa. Iluminada, imóvel, perto do meu rosto. Quando eu passava por uma cochilada, acordava com um clarão perto da minha cabeça, parecia-me que alguém riscava um fósforo. O medo paralisava meu corpo. Cobria a cabeça com a colcha e, quando estava com falta de ar, espiava a mulher por uma frestinha. Ela estava ali firme, encarando-me. No inverno, era mais fácil manter-me escondida em baixo das cobertas, mas no verão, a transpiração poderia matar qualquer vírus de gripe. Com a respiração ofegante, o coração saindo pela boca, às vezes eu conseguia gritar:
¬Mamãe, acende a luz! Estou com medo!
Quando vinha a claridade eu não via ninguém. Que susto!
Tudo bem! Ela me ordenava que dormisse, porque não havia nada ali. Apagada a luz, lá estava de novo a mulher de branco, a postos. Que sufoco, quem será, o que quer comigo? Pensava, pensava... Não era nada, pura ilusão de ótica, não havia entrado ninguém em nossa casa. O dormitório era grande, mas bem fechado. Às vezes eu dormia vencida pelo cansaço, mas com a cabeça coberta. Outras vezes, permanecia espiando a visitante até ouvir o cantar do galo.
Começava a clarear o dia, a visita ia embora e o medo também. Depois de muitos anos, menina-moça, longe do berço, na minha cama sem grade, dormindo sozinha, em outro quarto, não vi mais aquele rosto.
Hoje, guardo esse filme com muita nitidez.
Era tudo verdade, mas ninguém entendia.
(In: Fronteiras do Amanhecer:contos)






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